A mãe que desejo ser

Só me senti mãe quando eu peguei aquela menina de olhos pretos e brilhantes em meu colo.
Aquele olhar me inundava de amor e foi ele que entre uma mamada e outra me fez sentir amada pela primeira vez em toda minha vida, sem cobranças de comportamento ou fala, sem precisar dar algo em troca, sem precisar me esforçar para ser outra pessoa, ela me amava do jeito que sou, com todas as minhas imperfeições, no puerpério elas ficam mais visíveis, foi aquele olhar que me fez sentir amada no mais puro significado da palavra.
O que faria eu com tanto amor?
Amar
Amar de uma forma intensa, genuína e pura.
Hoje temos uma relação muito especial, ela com nove anos me desafia a ser alguém melhor para o mundo, através dela enxergo a oportunidade de aprendizado constante principalmente por características de personalidade que por muitas vezes ainda tenho dificuldade em lidar, a persistência, (nomeada por muitos como teimosia), a sensibilidade (com seus medos e anseios) pouca resiliência (está sempre em busca do que lhes dá prazer) e a autenticidade (muito verdadeira no seu ser).
Foi aquele olhar que me desafiou a buscar um relacionamento de afinidade, para isso precisei mergulhar no meu mais profundo eu, e entender que o educar é muito mais sobre se relacionar do que mesmo passar conceitos de comportamentos.
E quando eu entendi sobre isso?
Quando ela tinha por volta de dois anos e meio, eu estava em meio a uma faxina e tive uma explosão de emoção (uma birra), naquele momento gritei com minha filha e joguei um objeto no chão. Foi aí que ela na sua mais pura inocência pegou o objeto do chão e replicou meu comportamento com o mesmo tom de voz.
A virada de chave aconteceu. Naquele momento me dei conta que sou espelho.
Foi então que abracei o desafio de entender os conceitos que trazia sobre educação de filhos, sobre desenvolvimento infantil, sobre uma comunicação onde realmente conseguisse expressar o que desejo, sobre uma forma de me sentir amada e fazer o outro também sentir-se amado e principalmente entender sobre meus comportamentos para que esse espelho refletisse o que realmente era de minha intenção.
Esse desafio é constante, sete anos depois de uma busca por autoconhecimento e filtrando da educação que recebi o que desejo aplicar na educação de minha filha, me vejo em uma trilha de mata fechada, desbravando aquela linda paisagem nunca antes apreciada. Ressalto aqui, uma trilha é bela, magicamente encantadora e bastante desafiadora.
Para não deixar dúvidas dessa trilha linda e difícil de desbravar, lhes contarei um episódio ressente.
Alguns dias atrás, nas primeiras horas desse ano de 2022(dois mil e vinte e dois), com a casa cheia por conta do réveillon, quando dei por mim estava a dizer com pouquíssima paciência, que queria ficar sozinha sem precisar dar atenção para ela, na ocasião estava cheia de energia e muito animada, queria brincar, correr e fazer estrelinha na praia, e eu precisava sentar um pouco e olhar o horizonte em silencio.
Naquele momento ela prometeu ficar quietinha, mesmo tendo que se esforçar para isso.
Logo mais à noite ela me questionou
-Você está cansada de ser minha mãe?
Quando ela me fez essa pergunta, meu coração parou.
Ora! A menina de olhos brilhantes, sensível e tão intensa, me fazer essa pergunta? O que eu fiz para que ela pensasse assim?
Fiz o automático, aquilo que por canseira do dia a dia, sai sem darmos conta do peso que é aos ouvidos de nossos amores, freses como: “tenho vontade de abandonar tudo”, “Isso só acontece comigo”, “também você”, “você faz de propósito”. Essas frases podem ser interpretadas não como frustração pessoal, cansaço ou desconexão passageira, e sim como, “estou casada de você e de sua presença”, ou até mesmo “ não sou feliz como sua mãe”.
Parece até exagero, que algo dito em momentos tão pontuais e sem muito significado para nós, seja ouvido com tanta intensidade e interpretado dessa maneira por eles, mas, se pensarmos um pouco perceberemos que crianças não entendem ironia, palavras ditas de forma exagerada ou até mesmo suposição, elas são bastante literárias, ou seja, ouve exatamente o que é dito, e palavras são capazes de ferir, e também de deixar dúvidas sobre o quanto são amadas.
Naquele momento envolvido em um abraço falei como estava me sentindo na ocasião, e que nada tinha a ver com ela, e sim comigo mesma, falei para ela o quanto aqueles dias tinha me levado a relembrar situações de minha infância que eu ainda não sabia lidar e chorei… Foram lágrimas de culpa, de alegria, de medo, frustração por ter deixado dúvidas de minha intenção, por não comunicar de forma clara a minha necessidade, chorei por todos os desafios e encantos que é educar um ser tão puro, com uma capacidade de amar e perdoar que mais ninguém tem, alguém que sabe realmente viver o presente.
Falando em viver o presente, isso é algo que poderíamos aprender como nossos filhos, viver o presente de forma verdadeira.
Foi aí que depois de alguns minutos em calmaria naquele fim de tarde, nós duas estávamos prontas para um bom banho em um mar quente, nossas necessidades atendidas, ela vibrando quando eu disse que podíamos nos unir ao resto do grupo (inclusive foi saltitando e fazendo estrelinha) e eu com o coração, a mente e o corpo tranquilo, pronta para continuar esse desafio que é me tornar.
A MÃE QUE DESEJO SER.


Kelúcia Freitas
Engenheira, Educadora Sócio Emocional e Facilitadora da Jornada das Emoções
“Conduzindo famílias em um relacionamento respeitoso através do reconhecimento das emoções”
2 respostas
Parabéns Kelúcia, esse texto me tocou como mãe, pois acredito que todas passamos por esse processo de virada de chave quando nos tornamos mães, principalmente quando falamos de maternidade pela primeira vez.
Que texto lindo e gostoso de ler. Amei! Parabéns!